Resenha: Maus: a história de um sobrevivente, Art Spiegelman, Cia. das Letras

“Maus” poderia ser apenas mais um relato do Holocausto dentre tantos outros disponíveis. Poderia ser demasiadamente sentimental – embora o assunto seja muito triste, pesado, e o episódio seja um dos mais cruéis da História, o que torna impossível que sentimentos fortes não transbordem de quaisquer relatos feitos sobre ele. Mas “Maus” não é nem sentimental demais, e nem recheado de clichês. É um relato real, biográfico, que mostra a verdadeira face do Holocausto e de seus personagens.

Sinopse: Maus ("rato", em alemão) é a história de Vladek Spiegelman, judeu-polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, narrada por ele próprio ao filho Art. O livro é considerado um clássico contemporâneo das histórias em quadrinhos. Foi publicado em duas partes, a primeira em 1986 e a segunda em 1991. No ano seguinte, Maus ganhou o prestigioso Prêmio Pulitzer de literatura. A obra é um sucesso estrondoso de público e de crítica. Desde que foi lançada, tem sido objeto de estudos e análises de especialistas de diversas áreas -história, literatura, artes e psicologia. Em nova tradução, o livro é agora relançado com as duas partes reunidas num só volume. Nas tiras, os judeus são desenhados como ratos e os nazistas ganham feições de gatos; poloneses não-judeus são porcos e americanos, cachorros. Esse recurso, aliado à ausência de cor dos quadrinhos, reflete o espírito do livro: trata-se de um relato incisivo e perturbador, que evidencia a brutalidade da catástrofe do Holocausto. Spiegelman, porém, evita o sentimentalismo e interrompe algumas vezes a narrativa para dar espaço a dúvidas e inquietações. É implacável com o protagonista, seu próprio pai, retratado como valoroso e destemido, mas também como sovina, racista e mesquinho. De vários pontos de vista, uma obra sem equivalente no universo dos quadrinhos e um relato histórico de valor inestimável.
Fonte: http://www.skoob.com.br/livro/2259
O pai do autor, Vladek Spiegelman, um judeu polonês, passou por todos os estágios de segregação que levaram ao extermínio sionista promovido por Hitler: da negação dos direitos individuais, passando pelos guetos e levando aos campos de concentração, neste caso Auschwitz e Dachau. Experimentou, junto com a sua família, todos os horrores inimagináveis perpetrados pelos nazistas. E sobreviveu. Esta HQ mostra a capacidade humana de sobreviver em um ambiente completamente desfavorável não só à vida, mas à sanidade, e, pasmem, de maneira leve e até descontraída.

A graphic novel mostra também que não foram apenas os nazistas alemães os únicos agentes desse genocídio. Judeus e poloneses que buscavam favorecimento pessoal ou apenas salvar a própria pele foram capazes das mais absurdas ações como delações, traições, espancamentos, saques, dentre outras violências. Uma prova fiel de que, se o ser humano carrega consigo a capacidade de realizar as ações mais louváveis em face do sofrimento e do extermínio, também é capaz de realizar os feitos mais cruéis em prol de sua sobrevivência. Art Spiegelman não poupa ninguém, não importa e nacionalidade e raça. E penso que esse é seu maior feito nesta obra.

É incrível perceber também, ao longo da leitura, quão contagiante foi o nazismo na Europa, e o quanto racismo, xenofobia e quaisquer preconceitos podem ser usados por governos e líderes para se tornarem armas ideológicas na busca e manutenção do poder. Ao longo da História, minorias são geralmente usadas como alvos por parte de grupos ideológicos que precisam de culpados para os fracassos de seu governo/povo/nação. Negros, índios, judeus, homossexuais, palestinos, mulheres, e muitíssimos outros grupos são alvos fáceis de pessoas que carregam um discurso maniqueísta e exclusivista muito perigoso.

Quanto aos desenhos da obra, são absolutamente fenomenais. Também de autoria de Spiegelman, carregam uma simplicidade e uma expressão que só um relato em quadrinhos muito bem construído pode carregar. É genial a representação por meio de animais que o autor faz dos personagens: os judeus são retratados como ratos (daí o nome da HQ, “Maus”, que é a palavra alemã para esses animaizinhos), os nazistas como gatos, poloneses não judeus como porcos e americanos como cães.



Uma das melhores leituras que fiz este ano, “Maus” é indiscutivelmente um clássico da 9ª arte que alçou seu autor ao panteão dos grandes quadrinistas de todos os tempos, ao lado de caras como Will Eisner, Bob Kane, Neil Gaiman e outros. Recomendo fortemente.

Nota: 


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